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Conceição Evaristo

Há um tempinho atrás, uma aluna me perguntou o que fazia para lembrar de tantos detalhes do que lia. Lembrei de palestras de alguns neurocientistas, pedagogos, e resumi em algumas dicas: 1) Fazer associações do que lemos com outros saberes que já possuímos; 2) Comentar, discutir o que lemos com outras pessoas, como uma forma de revisitarmos o que lemos e criarmos nossas próprias interpretações; 3) Eventualmente ler os textos mais de uma vez (confesso que esta dica é daquelas: “Não vi o filme, mas disseram que é muito bom!” Rsrs).

Na última semana fui assistir uma aula magna da Conceição Evaristo, a qual abriu as comemorações dos 65 anos da minha segunda casa (UFF). Já havia lido “Olhos D’Água” que ganhou o prêmio Jabuti em 2015 e levei meu livro orgulhoso de já ter lido algo da escritora. Aliás, essa leitura faz parte do meu autocurso de letramento racial que propus para mim mesmo! Rsrs.

Por ser negro, muitas dessas leituras que fazem sucesso para quem busca material que trate de letramento racial não me afetam como acredito que afetam a pessoas não-negras. Assim, desse livro da Conceição, não conseguia lembrar detalhadamente de cada das histórias que ela conta, uma vez que não fiquei tão impactado com as histórias em si, dada minha origem. Entretanto, uma característica eu me recordava bem: a poesia com a qual ela contava histórias tão duras, tão difíceis para quem não tem essa leveza de olhar o mundo de forma tão suave.

Para ilustrar essa grandeza, durante sua aula ela narrou a seguinte cena que confessou ainda não ter transformado em texto. Após retornar de uma aula no Morro de São Carlos, ela se deparou na rua com um rapaz de uns 18, 19 anos, empunhando uma escopeta. Era um soldado do morro e estava cuidando do acesso ao morro de forma altiva e com a dedicação de quem cuida de sua própria casa. No sentido oposto da rua se aproxima uma jovem com uma criança de uns 3, 4 anos de idade e nossa escritora observa e tenta entender a cena. Quando a jovem se aproxima mais, o jovem joga a arma para suas costas enquanto abaixa aguardando o afago da criança. Após o abraço caloroso, a jovem dá um beijo breve, mas com igual carinho, e em seguida segue para subir o morro, enquanto o jovem retorna ao seu posto de trabalho. Ver uma pessoa empunhando uma arma como um pai de família, para os dias de hoje, parece ser algo impossível para algumas pessoas. A impressão que dá é que estamos perdendo nossa humanidade.