Plágio
Como professor dedicado e apaixonado, vejo o plágio hoje como uma dupla enganação: 1o) o estudante acha que está evoluindo mas está apenas avançando; 2o) o estudante ilude o professor, o qual acredita que está fazendo um bom trabalho, pois o aluno está tendo sucesso na avaliação proposta pelo professor. Quanto a primeira enganação, já cansei de me incomodar, e acho que a vida se encarregará de dar a resposta devida. Quanto a segunda, aí sim gera uma frustração grande. Mas, nem sempre minha visão sobre plágio foi assim.

Quando tinha 6 para 7 anos, ganhei um presente que nem fazia ideia do quanto iria marcar minha vida: um quadro negro de brinquedo dividido em 2 partes: na direita tinha a parte para escrita com giz e na esquerda tinha um relógio analógico com ponteiros e números e um mini ábaco abaixo do relógio. Brincava dando aulas para minha prima, 1 ano mais nova, sempre antecipando para ela conteúdos que ela iria ver no ano seguinte.
Com o passar do tempo, virei de fato um professor para a minha prima, tirando dúvidas de tudo quanto era assunto. Ela tinha algumas dificuldades com BOAtemática e, por algumas vezes, insistia para que eu fizesse os “deveres de casa” para ela. Nunca fiz. Não achava honesto mas, mais do que isso, achava que ela precisava aprender aqueles conteúdos.
No colégio, principalmente no final do antigo 1o. grau (ensino fundamental), voltei a ser alvo. Nunca fui um gênio, longe de ser alguém iluminado, mas era muito obediente. O professor falava para eu estudar e eu estudava. Sou de uma época em que não se discutia muito o que os “mais velhos” diziam. Não querendo dizer se isso é bom ou ruim, mas para mim foi o empurrão para desenvolver uma certa disciplina com os estudos e ter algum destaque. Daí, nas provas, vez ou outra sentavam do meu lado “pedindo cola”. Longe das reflexões atuais que proponho nesta postagem, evitava ao máximo ceder aos apelos por uma única razão: medo. Eu me borrava só com a possibilidade de um professor achar que estava colando. Já cedi algumas vezes, mas sempre me arrependia depois de fazer.
No 2o. grau essa questão praticamente não aconteceu. A meta da escola era a aprovação no vestibular e, como colar nesses exames é praticamente impossível, a galera nem cogitava e tudo mundo levava bem a sério. Foi um momento bacana onde praticamente não era assombrado com essa situação! Kkkk
Na faculdade a questão volta, mas acabo já tendo uma opinião mais direta: acho que é um certo desvio de caráter, uma vez que, quando se fala de ética profissional, meu entendimento era que já começávamos mal se tínhamos que lidar com esse tipo de situação.
Na pós-graduação achava que isso já seria parte do passado, mas tenho um caso curioso para contar. Meu orientador de doutorado me mandou fazer uma disciplina num departamento fora da Computação (depto. de Telecomunicações). A disciplina versava sobre Cadeias de Markov, Teoria das Filas, assuntos que podem ser dados de forma tranquila, quando vistos superficialmente, ou de forma complexa, quando partimos para provas e demonstrações. E advinha de qual time era o professor !?!? Então, para comprovar o nível de dificuldade, apenas um único aluno debatia com o professor em sala. Este era um ex-aluno do ITA e, dada a fama desse Instituto para conteúdos de BOAtemática e Física, era compreensível.
A avaliação era 1 única prova + alguns trabalhos práticos. Nos trabalhos, todos individuais, 100% de aproveitamento. No início da aplicação da prova o professor diz “Ao terminarem, deixem as resoluções sobre minha mesa!” e sai de sala. Por alguns poucos instantes, os alunos desconfiam da situação, mas depois vem a conclusão: o professor foi cuidar da vida dele, algo que todos os professores deveriam poder fazer. Daí, todo mundo (a turma tinha em torno de 20 alunos) juntou em cima do ex-aluno do ITA para pegar dicas. Todo mundo menos 1! Achava um absurdo, em pleno doutorado, ter que me prestar aquilo. Daí, só tivemos 2 resoluções honestas: a dele e a minha. Ele tirou 10 e eu tire 3. Dos 18 restantes, 17 obtiveram nota suficiente e 1 não passou nem plagiando.
Aquilo foi desesperador para mim, pois tinha bolsa CNPq e não podia ter reprovação. Era o fim da bolsa e o fim do doutorado. Fui apelar para o meu orientador. Contei no início apenas que não tinha conseguido nota e precisava de uma segunda chance. Daí meu orientador conversou com professor que se mostrou irredutível. Insisti, dessa vez contando sobre a prova quase coletiva que foi entregue. Ele conversou com o professor que cedeu me dar uma segunda chance, assim como o outro colega que também não passou. Estudei por 4 meses seguidos, sem descanso. Tirei 9 na prova, mas o professor me deixou com 7, dizendo que era uma exceção e eu não merecia aquela nota. Meu colega não conseguiu novamente e teve que desistir do curso.
Passada a fase aluno (apenas formalmente, pois não há como parar de estudar! ;)), pulei para o outro lado do balcão. Na verdade, durante a pós já dava aula para a graduação e me empenhava nas técnicas para coibir plágio a todo custo: espalhar os estudantes pela sala, mudar de lugar durante a prova, acompanhar a prova dos fundos (olhando os alunos pelas costas), etc.
Hoje, após mais de 2 décadas de sala de aula, confesso que não tenho o mesmo empenho para evitar ser enganado. Digo explicitamente o que penso, mas procuro abordar a questão de outra forma. Costumo falar do valor do aprendizado, da importância da honestidade e da dedicação para evoluirmos nos estudos, na vida. Indiretamente, o que digo aos estudantes é que o crime, principalmente esse, não compensa nem um pouquinho! ;)